Pescador
Todos os dias espero a morte, desde que me levanto até que me deito e desde que me deito até que me levanto. Virá num barco azul, sulcando as águas negras de um rio estático que corre para a nascente. É um esperar que não é perturbado por coisa nenhuma, nem pela loucura dos dias nem pelo descanso da noite nem pelos milhões de crenças positivas ou mágicas que flagelam o mundo… A minha espera é uma certeza, um sentimento, uma obsessão, percorre todos os tempos e não se importa com o tempo, pois o seu alcance não tem medida. O meu sentimento não está munido de um metro nem de um cronómetro para saber quando se dará o instante, a perda do sopro, o frio e as trevas. Nada disso importa, porque o rio negro possui todas as cores e pode facilmente fazer eclodir um arco-íris.
Lembro-me do pescador que vivia numa cabana e trabalhava dia e noite para se sustentar, enfrentando as fúrias e a solidão do mar. Um dia, estafado de tanto esforço para manter o corpo, deitou-se na areia a ver o céu e percebeu que morte estivera sempre ali, respirando com ele, alimentando-se do sangue que lhe corria nas artérias. Então destruiu a rede que o salvara, estendeu-se na areia e deixou-se morrer, bebendo os céus e luz tão clara.