Os sapatos do amor
os sapatos do amor
Quero que o amor seja uma par de sapatos
mágicos ou divinos
sempre especiais
que sejam construtores do seu próprio caminho
sem eles sou esticado
estático sobre um ponto
não vejo qualquer mundo para me estender
com eles sou potência daquela direção
que me leva no sentido das borboletas
ávidas de catedrais no seu voo impreciso
e tão seguras
na sua fragilidade…
Quero que os meus sapatos tenham olhos frontais
predadores focados na ambição do momento
armados com a fé de que a estrada é perfeita
como toda as que são feitas por amor.
Quero que os meus sapatos sejam leves
como a aragem que sobe para os altos cumes
e por isso criem caminhos ascendentes
cheios de panorâmicas privadas
incomparáveis
arrebatadoras
sempre na configuração do teu corpo
ao sol do teu olhar
no húmus da tua empatia
nos riachos do teu desejo…
Quero que os meus sapatos tenham sempre calor
um fervor redondo
fluxo de partículas entre os teus e os meus
imunes às trocas dos outros caminhantes
— paradoxalmente
uns sapatos assim espatifam Lavoisier
pois na sua natureza
tudo se ganha e nada se perde
as partículas que te dou continuam as minhas
e ambos sentimos o mesmo calor
eterno
copioso
num percurso de lava que não queima
porque é divina.
Conheço um homem com sapatos de chumbo
que apenas podem deslizar nos caminhos já feitos
ou repisar sem pausa o mesmo chão
todo o seu impulso se esgota a fazer listas
dos mais diversos pormenores
dos caminhos dos outros
e do elenco das coisas que preenchem o mundo
— uns sapatos assim
podem estar sempre grávidos
da curiosidade
mas nunca serão
os do amor.