Oferece-me aos pobres
Se algum dia
estiver a percorrer-te com o meu corpo
no cúmulo dos fervores
no auge dos espasmos e da incandescência
tentando encontrar
na vastidão da tua entrega
e no meu desejo eruptivo
vulcânico
a sagrada olaria da vida
sim
se algum dia estiver nessa incidência
e me desidratar
transformando-me em pó
recolhe-me todo como um bem precioso
faz todas as doses que puderes
por mínimas que sejam
e distribui-as aos pobres do sentir
àqueles que não aquecem com um simples lampejo do teu olhar,
aos que não imaginam o que é tocar-te
beijar-te,
saborear a tua pele tão firme
ferver com o toque dos teus dedos
cavalgar nas loucuras que me insuflas
agonizar numa explosão de vida
querer não querer mais do que querer-te
amar não amar mais do que amar-te
ser fome e alimento e saciedade
ter todo o universo no teu colo
regressar ao núcleo das estrelas com o teu orgasmo
e criar as próprias estrelas com o meu
sentir que é em ti que broto e me liberto
que é dentro de ti que me sublimo
que fora do teu corpo não sou nada
ou talvez uma ausência insuportável
sim amor
se um dia ficar seco
no infinito forno em que me geras
serei pó milagroso
serei cura
dá-me a todos os que não sentem
oferece-me a todos os que não vivem.