Oferece-me aos pobres

11-09-2021 01:31

Se algum dia

 estiver a percorrer-te com o meu corpo

 no cúmulo dos fervores

 no auge dos espasmos e da incandescência

tentando encontrar

na vastidão da tua entrega

e no meu desejo eruptivo

vulcânico

a sagrada olaria da vida

sim

se algum dia estiver nessa incidência

e me desidratar

transformando-me em pó

recolhe-me todo como um bem precioso

faz todas as doses que puderes

por mínimas que sejam

e distribui-as aos pobres do sentir

àqueles que não aquecem com um simples lampejo do teu olhar,

aos que não imaginam o que é tocar-te

beijar-te,

saborear a tua pele tão firme

ferver com o toque dos teus dedos

cavalgar nas loucuras que me insuflas

agonizar numa explosão de vida

querer não querer mais do que querer-te

amar não amar mais do que amar-te

ser fome e alimento e saciedade

ter todo o universo no teu colo

regressar ao núcleo das estrelas com o teu orgasmo

e criar as próprias estrelas com o meu

sentir que é em ti que broto e me liberto

que é dentro de ti que me sublimo

que fora do teu corpo não sou nada

ou talvez uma ausência insuportável

sim amor

se um dia ficar seco

no infinito forno em que me geras

serei pó milagroso

serei cura

dá-me a todos os que não sentem

oferece-me a todos os que não vivem.