O teu horizonte
Encontrei-me à janela dos teus olhos
a perder-me de vista
no teu horizonte…
vivi sempre numa casa invertida
— as paredes a proteger o exterior
e o telhado a fugir do céu
e a esconder-se sob os alicerces —
porque nunca tivera coração para habitar
e só o coração pode ser casa
pois tudo o mais é puro solilóquio
maquinação de ideias delirantes
frias e amargas
e conversas de sombras
e de vidas sem sangue…
tive sempre receio das correntes de ar
e dos relógios com horas a mexer
e do ácido que pinga de tudo o que não somos
pelo medo de ser
ao longo desse tempo
salvei-me de ser eu para ser ninguém
tudo o que via
era a minha carne bem condimentada
para não ter de me alimentar fora de mim
às vezes tinha pudor
de toda a ausência que me sustentava
e da autofagia que me regerava…
quando me encontrei à janela dos teus olhos
desci num puro instante a escada para o céu
e voei como um gás para o fogo da vida
que estava por todo o lado
pois era da tua natureza acendê-lo a toda a hora…
na amplidão do teu horizonte
as fogueiras irrompiam sem padrão
apenas por apetite puro e simples
e eu
que nunca projetara nada que tivesse amor
via-me agora ser língua de fogo
sim
antes de ti eu não tinha paisagem
e agora o mundo todo estava ao meu alcance
cresciam-me estrelas nos recetores do corpo
e os fluídos das artérias eram asas
e o ruído dissipou-se com a música
e o silêncio envergonhou-se de sê-lo…
olhei para trás
e vi a minha antiga casa a esboroar-se
pela força da maré do teu amor
e a ficar um anel mais fino que a poeira
só para sinalizar
que fora e não voltaria a ser
pois atingira o Limite de Roche
porque o eu dessa casa tornara-se satélite
de mim já planeta do teu horizonte.