O silêncio que ensurdece
Eis-me um vulto sem cabeça, vou sem rumo pela noite no silêncio que ensurdece, as sombras espreitam atentas a minha indefinição, envolto numa luz fraca que me tira a densidade, montado num precipício que se mostra horizontal, sem rumo na direção das coisas que ainda não sei, daquilo que vou sentir, a rua é longa e brumosa, sustenta os sonhos que escorrem das janelas ensonadas e os suspiros e as ânsias dos corpos que se engalfinham na voragem do futuro, que não é mais do que o presente, que mais não é do que o passado, há um relógio latente na respiração das casas e no definhar das almas, não há esquinas nem travessas, apenas a grande reta, feita do pressentimento de que tudo é mais além, onde a boca não alcança e a retina não imprime e a perfeição salta e foge como presa e predador, como criança que brinca, como ladrão que nos tira tudo o que tem para nos dar, há pios de aves noturnas, rastejos que se adivinham, a lua não quer mostrar-se, caminho na direção da reta que não entendo, da meta que não vislumbro...