O homem relutante
Era uma vez um homem sempre relutante em ver para cá do horizonte, pois tudo o que era perto era tão longe e tudo o que era longe era tão perto que ao ver o que não via é que sentia e ao ver tudo o que via definhava, como um moribundo imune à morte.
Sempre tivera a mesma relutância, desde as águas do saco maternal, espreitou dentro da mãe e nada viu, hesitou em sair e em ver o mundo, vacilou no âmbito da luz, desconfiou do silêncio e da palavra, odiou a solidão acompanhada, ficou parado numa corrida louca em que o todo lhe parecia sem propósito, um capricho, uma ilusão, um castrador de mundos, um fantoche, um monstro esquizofrénico… Porém, naquela insaciável relutância, o homem caiu no erro do amor — não que ele amasse — queria sentir-se no que lhe ofereciam, mas a entrega tinha de ser efémera e volátil — vem intenso amor e monstruoso, mas vai depressa, porque a permanência é a agonia que mais abomino — e então a relutância estendeu-se à decisão de ter a culpa de carregar a dor de quem o queria — ai como desilusão dos outros é pesada, como corrói a nossa própria fé e nos tira a dignidade e o caminho e o sonho e a própria vida!
Então o amante quis ter outro amor, para se libertar ficando preso, pois era mais fácil fazer sofrer alguém se com isso outro alguém fosse feliz, mesmo que de passagem, nas vésperas de nova agonia, na brevidade da exaltação.
Por isso, o homem relutante saltou de coração em coração, não porque quisesse verdadeiramente um novo amar mas porque, assim, podia suavizar a insuportável dor de ver a antiga paixão sofrer por ele.