o homem relutante
o homem relutante
era uma vez um homem
sempre relutante
em ver para cá do horizonte
pois tudo o que era perto
era tão longe
e tudo o que era longe
era tão perto
que ao ver o que não via é que sentia
e ao ver tudo o que via
definhava
como um moribundo imune
à morte
sempre tivera a mesma relutância
desde as águas do saco maternal
espreitou dentro da mãe e nada viu
hesitou em sair e em ver o mundo
vacilou no âmbito da luz
desconfiou do silêncio
e da palavra
odiou a solidão acompanhada
ficou parado numa corrida louca
em que o todo lhe parecia sem propósito
um capricho
uma ilusão
um castrador de mundos
um fantoche
um espírito monstro esquizofrénico
porém,
naquela insaciável relutância
o homem caiu no erro do amor
- não que ele amasse -
queria sentir-se no que lhe ofereciam
mas a entrega tinha de ser efémera
e volátil
- vem intenso amor
e monstruoso
mas vai depressa porque a permanência
é a agonia que mais abomino –
porém a relutância
estendeu-se à decisão de ter a culpa
de carregar a dor de quem o queria
ai como desilusão dos outros é pesada
como corrói a nossa própria fé
e nos tira a dignidade
e o caminho
e o sonho
e a própria vida…
então o amante
quis ter outro amor para se libertar
ficando preso
escapando à agonia
antes que viesse outra agonia
pois era mais fácil fazer sofrer alguém
se com isso outro alguém fosse feliz
mesmo que de passagem
nas vésperas de nova agonia
na brevidade da exaltação
por isso o homem relutante
saltou de coração em coração
não porque quisesse verdadeiramente um novo amor
mas porque assim
podia suavizar a insuportável dor
de ver a antiga paixão sofrer por ele.