o homem relutante

08-11-2017 01:20

o homem relutante

 

era uma vez um homem

sempre relutante

em ver para cá do horizonte

pois tudo o que era perto

era tão longe

e tudo o que era longe

era tão perto

que ao ver o que não via é que sentia

e ao ver tudo o que via

definhava

como um moribundo imune

 à morte

sempre tivera a mesma relutância

desde as águas do saco maternal

espreitou dentro da mãe e nada viu

hesitou em sair e em ver o mundo

vacilou no âmbito da luz

desconfiou do silêncio

e da palavra

odiou a solidão acompanhada

ficou parado numa corrida louca

em que o todo lhe parecia sem propósito

um capricho

uma ilusão

um castrador de mundos

um fantoche

um espírito monstro esquizofrénico

porém,

naquela insaciável relutância

o homem caiu no erro do amor

- não que ele amasse -

queria sentir-se no que lhe ofereciam

mas a entrega tinha de ser efémera

e volátil

- vem intenso amor

e monstruoso

mas vai depressa porque a permanência

é a agonia que mais abomino –

porém a relutância

estendeu-se à decisão de ter a culpa

de carregar a dor de quem o queria

ai como desilusão dos outros é pesada

como corrói a nossa própria fé

e nos tira a dignidade

e o caminho

e o sonho

e a própria vida…

então o amante

quis ter outro amor para se libertar

ficando preso

escapando à agonia

antes que viesse outra agonia

pois era mais fácil fazer sofrer alguém

se com isso outro alguém fosse feliz

mesmo que de passagem

nas vésperas de nova agonia

na brevidade da exaltação

por isso o homem relutante

saltou de coração em coração

não porque quisesse verdadeiramente um novo amor

mas porque assim

podia suavizar a insuportável dor

de ver a antiga paixão sofrer por ele.