O cromossoma da angústia
Quero viver sem ter de pensar no que a vida é ou no que tem de ser sentir apenas o corpo e ser janela invadida por estímulos ingénuos que simplesmente aparecem qual viajante sem destino e sem memória que apenas se apresenta sorridente desprovido de tudo o que é pertença despojado de tudo o que é razão no simples e profícuo intuito de coisa nenhuma quero ter um piloto automático no corpo e um cozinheiro de todos os sentidos e um espadachim e um trapezista e uma infinidade de seres caprichosos todos desprovidos de cabeça mas com grandes corações cheios de pernas sou uma casa ávida da luz que chega faminta dos confins de deus ai que o meu deus é tolinho como um adolescente que quer experimentar tudo o que pode e que se cria e se inventa no caminho sem o tédio do compromisso o que lhe apetece é sempre aquilo em que se torna que muitas vezes é o oposto de si mesmo o meu deus tolinho não tem passado nem futuro apenas se esparrama no presente mas cria a ilusão de que já foi e pode vir a ser é um fantoche de espelhos que refletem o interior e assim criam toda a realidade e afastam a pesada angústia — a monstruosa gravidade da geração.