murmúrios
Era uma vez um homem que pescava murmúrios sentado numa escarpa junto ao mar. Não precisava de qualquer isco, pois tinha um anzol especial, lançava a linha à água e deixava-a ficar, longas horas, escutando atentamente os sons que ela transmitia. E quando terminava dizia às pessoas:
— Levo os meus bolsos cheios de murmúrios do mar e são eles que dão serenidade à terra. O mar seduz a terra com eles, por isso eu os semeio, para que a terra responda ao enamoramento das águas e estas permaneçam calmas. Se eu deixar de os pescar, as águas vão encrespar-se cada vez mais e, com os seus estrondos, destruirão os lares e as colheitas.
Porém os outros pescadores, cheios da ignorância da sua arte e da sua diferença, julgaram-no louco e expulsaram-no.
Passou algum tempo e o oceano pareceu embrutecer. Levou a areia das praias, os seixos, fez desabar as escarpas, afundou os barcos e roncou dia e noite, cada vez mais iracundo. Acabou por galgar todas as barreiras, inundou as colheitas e fez desabar as casas.
Os homens, movidos pelo medo, foram à procura do estranho pescador e pediram-lhe que apaziguasse o oceano. Ele comoveu-se e acedeu ao que lhe pediam. Foi para cima de uma escarpa, sentou-se numa cadeira de lona, preparou a cana, esticou a linha, colocou-lhe o anzol especial e recomeçou a pescar murmúrios.
De imediato as águas se apaziguaram e se afastaram das colheitas e das casas. A areia chegou outra vez às praias e as pessoas ganharam de novo um sorriso. E, a partir desse dia, ninguém mais duvidou do pescador, todos viam claramente os murmúrios a saírem do mar, a percorrerem a linha e a entrarem nos seus bolsos. E, durante a noite, ouviam-nos em casa dele e adormeciam tranquilos. Embora, de facto, fossem incapazes de descrever qualquer qualidade sensorial dos murmúrios, a fé tinha-lhes inundado os corações e os olhos viam o que queriam ver. E nenhuma dúvida conseguia ultrapassar a grande barreira da certeza dos homens, outrora descrentes. Porque também eles tinham sido atingidos pelo imenso poder da sedução.