Carta

12-02-2025 14:30

Carta

 

Escrevo-te meu amor

esta carta de nada do que quero dizer

lavrada com ausências de tudo o que sinto

animada por indícios e intenções

pois não posso revelar

apenas dar sinais

de um rio tormentoso que saiu das margens.

Quero meu amor

fluir como água quente pela tua pele

deslizar correr encontrar a vertigem

centrifugar-me no êxtase por ti

como um rio selvagem que se quer puxado

pela gravidade do centro de tudo.

Sem a tua chuva serei sempre um deserto

insuportável aridez de corpo e sentimento

cascalho amontoado em dunas estéreis

opressor de horizontes castrador de raízes…

Sentado à secretária da tua ausência

pincelo a inefável latência do vulcão

que freme na cratera do teu fulgor

e faz subir montanhas de lava para o céu

e depois amansa na natureza das ervas

e na prolífica doçura das flores

e semeia toda a minha justificação

e faz eclodir o meu voo com as tuas asas

planando sobre cenários só possíveis

na fantástica conjugação do nosso milagre.

Somos meu amor

a fusão de dois improváveis que cria a existência

mais substancial mais pura mais concreta

mais perfeita na absoluta imperfeição

de uma fome de tempo tão contraditória

que quer reduzi-o ao momento mais denso

mas deseja ampliá-lo até à eternidade.