Carta
Carta
Escrevo-te meu amor
esta carta de nada do que quero dizer
lavrada com ausências de tudo o que sinto
animada por indícios e intenções
pois não posso revelar
apenas dar sinais
de um rio tormentoso que saiu das margens.
Quero meu amor
fluir como água quente pela tua pele
deslizar correr encontrar a vertigem
centrifugar-me no êxtase por ti
como um rio selvagem que se quer puxado
pela gravidade do centro de tudo.
Sem a tua chuva serei sempre um deserto
insuportável aridez de corpo e sentimento
cascalho amontoado em dunas estéreis
opressor de horizontes castrador de raízes…
Sentado à secretária da tua ausência
pincelo a inefável latência do vulcão
que freme na cratera do teu fulgor
e faz subir montanhas de lava para o céu
e depois amansa na natureza das ervas
e na prolífica doçura das flores
e semeia toda a minha justificação
e faz eclodir o meu voo com as tuas asas
planando sobre cenários só possíveis
na fantástica conjugação do nosso milagre.
Somos meu amor
a fusão de dois improváveis que cria a existência
mais substancial mais pura mais concreta
mais perfeita na absoluta imperfeição
de uma fome de tempo tão contraditória
que quer reduzi-o ao momento mais denso
mas deseja ampliá-lo até à eternidade.