4 CONCERTINAS
Quatro concertinas encontraram-se na eira de uma casa. Trouxeram as músicas que tinham colhido nos longos caminhos percorridos desde o oriente. Chegaram nas mãos de quatro homens, tão diferentes que ao olhar para cada um deles era quase impossível recordar os outros. Cada uma ficou num dos vértices do quadrado de terra batida para a seca e debulha dos cereais. Os homens olharam-se em desafio, mas também com uma cumplicidade incontornável.
No centro do terreiro, coberto de palhas de cereais, cresciam quatro árvores, plantadas pelo dono da casa para recordar aqueles que o tinham deixado na solidão.
A lua nova reforçou os tons da palha e as cores dos instrumentos. Então os homens tocaram, ergueram a música acima das árvores e ela estendeu-se às casas próximas e às povoações mais distantes. Veio gente de todas as idades e de todas as cores. Vieram também os animais domésticos e os bravios. Ficaram todos ali, até de madrugada, sob a lua da cor da palha e sobre a palha da cor da lua, extasiados pelo génio da música.
O dono da eira, que hospedara os tocadores, saiu de casa vergado pelo desgosto de ter perdido a sua amante nas agonias do parto e também dois filhos acidentalmente. Durante anos, tratara dos campos como um autómato. Plantara as quatro árvores no centro da eira para lhe lembrarem as vidas que perdera. Naquela noite, sentou-se na lateral do terreiro e deixou-se levar no sopro das concertinas para longe da casa e dos cereais, em direção a um limbo entre o tempo e a eternidade, onde se podiam ouvir os sussurros do amor.
De madrugada, as concertinas calaram-se e os ouvintes foram ao encontro das suas rotinas, Os quatro músicos afastaram-se. O homem ficou a vê-los, até se perderem numa curva, à distância. Depois, subitamente, lançou fogo à palha pisada e à casa e correu atrás das concertinas.