A gravidez das palavras
As palavras vieram de longe, dos limites do tempo e dos confins siderais, percorreram o caminho das estrelas numa nave platónica, mais ligeira do que a luz, mais prolífera que a matéria, chegaram num dia de tempestade, o vento corria raivosamente, entrou no veículo essencial e expulsou as palavras, rodopiou com elas, bailou, espalhou-as como sementes e cansou-se, como o amor, deixou-as na terra propícia, então elas germinaram e cresceram numa seara enorme, com formas de mulher e pernas de esferográfica, às vezes parecendo um continente, África, uma imensidão de espaço grávido, um pulsar interminável, um sonho, um rio, uma floresta, uma savana de animais inquietos e sedentos, um equilíbrio entre o prazer e a morte, entre a fome e a segurança, essa mulher sobe, feita continente, com uma brasa nos genitais e um sol no ventre, uma mãe negra e fecunda, cheia do espírito da terra, das vozes e do ruído, um manancial de discursos, de luz e de sombras, de caminhos e de encruzilhadas, um impulso primevo que nutre todos os saberes e que nenhuma sabedoria alcança, um corpo abstrato de tão concreto, uma densidade encorpada pelos ideais, uma máscara, sim, uma máscara, enigmática, profunda, ancestral, incontornável, verdadeiramente divina.